sexta-feira, 28 de março de 2014

João: da fazenda até Brasília

Da cercania onde morava, ele era o terror. Uma bala disparada da pistola de um soldado atravessara o corpo do pai dele. E João não foi poupado de nenhum detalhe da morte de seu pai. Então, ainda na infância, ele não pensava em outra coisa; João queria mesmo ser bandido. Ele não tinha medo, era isso que todos já diziam quando o rapaz decidiu deixar pra trás o marasmo da fazenda. Era muito ódio. Ele se perdeu.

Antes, João chegou a frequentar a escola. Mas ele sabia mais da vida em tão tenra idade do que deveria. E até o professor aprendeu com ele. João também ia à igreja. Lá, ele roubava o dinheiro colocado pelas velhinhas na caixinha do altar. Ia à igreja só pra isso. Com todas as meninas da cidade, ele brincava de médico conforme se dizia - aos doze anos era referência, comia todas elas e era professor. Foi para o reformatório aos quinze. Mais ódio, mais terror. João não entendia. E sofria discriminação pela sua cor e pela sua classe social.




E, tempos depois, queria viajar e juntou dinheiro. No fundo, João sabia que ali não era o seu lugar. Tinha vontade de sair, ver o mar e outras coisas que só conhecia pela televisão. Foi sua escolha, a solidão. Cansado de tentar achar respostas, comprou uma passagem para Salvador e, ao chegar, não ficou muito tempo. Foi tomar um cafezinho e conversou com um boiadeiro que estava com passagem marcada para Brasília: "Nesse país lugar melhor não há!" Dizia ele. Mas o boiadeiro ainda precisava visitar a filha e não podia viajar, iria perder a passagem. Assim, João foi em seu lugar.

João estava num ônibus, no Planalto Central. E era natal. Ele ficou bestificado com a cidade. "Meu Deus, mas que cidade linda! No ano novo eu começo a trabalhar." Em Taguatinga, era aprendiz de carpinteiro e ganhava cem mil por mês. Às sextas, ia gastar seu dinheiro na cidade. Rapaz trabalhador. Começou a conhecer muitas pessoas. Gente interessante.

Pablo era peruano, mas vivia na Bolívia. Vivia trazendo coisas de lá. Neto bastardo do bisavô de João, Pablo dizia que ia começar um negócio. Mas João trabalhava até a morte e nem para se alimentar o seu dinheiro dava mais. Sete da noite, ouvia o noticiário, sempre as mesmas notícias sobre intervenções ministeriais. Só que João não queria mais conversa, tomou uma decisão. Faria como Pablo, iria se virar.

João, mais uma vez, elaborou seu plano santo. Ele começou sua plantação. Não foi crucificado. Logo souberam da novidade: "Tem bagulho bom aí!" E João enriqueceu. Acabou com todos os traficantes dali. Fez amigos. Frequentava a Asa Norte de Brasília. Nas festas de rock se libertava. 




Porém, de repente, sob má influência dos boyzinhos da cidade, começou a roubar. E, já no primeiro roubo, ele dançou. E, pela primeira vez, ele foi pro inferno! Violência! Estupro! "Vocês vão ver, eu vou pegar vocês!" Virou bandido! Destemido! Temido no Distrito Federal. Não tinha nenhum medo.

E foi quando conheceu um menina. Se arrependeu de todos os pecados. Maria Lúcia era linda! João prometeu seu coração pra ela. "Maria Lúcia, pra sempre eu vou te amar! E um filho com você eu quero ter!" Dizia que queria se casar. E voltou a ser carpinteiro.

O tempo passa. Um dia, um senhor de alta classe, muito dinheiro, bate na porta de João com uma proposta indecorosa. "Não boto bomba em banca de jornal e nem colégio de criança. Isso eu não faço não!" João deu sua resposta. "E nem protejo general de dez estrelas que fica atrás da mesa com o cú na mão."

E João se embebedou, não foi mais trabalhar. Havia outro em seu lugar, descobrira no meio da bebedeira. Sua saída agora era Pablo, ele tinha dinheiro e topava uma parceria. Pablo trazia o contrabando da Bolívia e João revendia em Planaltina.

Mas um tal de Jeremias apareceu por lá. Ele era traficante de renome e, quando soube dos planos de João, decidiu que acabaria com ele. Pablo até trouxe uma arma Winchester 22 e João sabia atirar, mas decidiu usar a arma só depois. "Jeremias maconheiro, sem-vergonha, organizou a rockonha e fez todo mundo dançar!" Ele desvirginava mocinhas inocentes, dizia que era crente mas nem sabia rezar.

João já não ia para casa há muito tempo, nem tinha notícia de Maria Lúcia. A saudade apertou. Era tempo de os dois se casarem. Então chegou em casa e chorou, foi para o inferno pela segunda vez. Jeremias e Maria Lúcia estavam casados, e ela já carregava um filho dele.



Ódio! João, por dentro, era só ódio. Chamou Jeremias para um duelo. "Amanhã, às duas horas, na Ceilândia, em frente ao lote quatorze." João definiu. "E você pode escolher as suas armas, que acabo mesmo com você. Seu porco traidor!" E João era só ameaças. "E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa."

Então, no sabádo, estava lá todo povo do local, para assistir. Um homem que atirava pelas costas acertou João! O povo aplaudia, João sentia o sangue na garganta. Havia câmeras de tv, bandeirinhas, sorveteiros. João lembrou-se de sua infância e de tudo que já vivera. E o sol cegou seus olhos. Depois reconheceu Maria Lúcia, que trazia sua Winchester 22. "Jeremias, eu sou homem. Coisa que você não é! E não atiro pelas costas não! Olha pra cá filho da puta sem vergonha!"

João acertou cinco tiros com sua Winchester 22. Jeremias, aquele bandido traidor, já era! E depois Maria Lúcia se arrependeu. Morreu também, junto com João a quem consideravam seu protetor.



Acabou a história e João não conseguiu o que queria quando foi à Brasília. Na história que passou na tv, a alta burguesia da cidade não acreditou também. Mas o povo, ah, o povo dizia que João era santo. Porque ele sabia morrer! E o que ele queria, na verdade, era falar com o presidente. Não conseguiu pedir pra ajudar a essa gente. E essa gente só sofre.